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Vianinha é atual no palco e nos livros

Uma das melhores peças vistas na Festa Internacional de Teatro de Angra (Fita) de 2016, da qual tive o prazer de ser jurado, foi Vianinha Conta o Último Combate do Homem Comum. Dirigida por Aderbal Freire-Filho, a montagem levou ao palco o texto originalmente batizado de Nossa Vida em Família, do início dos anos de 1970, centrado em um casal idoso que começa a perder a independência e se transforma em estorvo para os filhos, genros e noras.

Por trás de uma questão intimista e familiar, o texto de Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974) traz um debate de ideias políticas, como o descaso com os mais velhos e a opressão cotidiana alimentada pelo capitalismo. Aliás, essa é a marca da obra de Vianinha, que teria completado 85 anos no domingo passado, dia 4. Ele morreu de câncer, aos inacreditáveis 38, em 16 de julho de 1974. Foi justamente no hospital, aproveitando as últimas energias, que o autor colocou o ponto final de Rasga Coração. Foi um de seus trabalhos mais emblemáticos e estreou somente em 1979, depois de liberada pela censura, com o ator Raul Cortez no papel principal.

Como teatro também é memória e história do Brasil, a Editora Temporal realiza um belo trabalho ao lançar a obra de Vianinha em volumes individuais que trazem o texto integral de cada peça, além de análises e ficha técnica das principais encenações. Desde novembro de 2018, foram lançados em livro Rasga Coração, Papa Highirte, A Longa Noite de Cristal e Corpo a Corpo. O exemplar que chega esse mês às lojas é Mão na Luva, peça de 1966, que foge um pouco do universo característico do dramaturgo por, diante de um primeiro olhar, recorrer também a uma linha intimista. O texto, que só saiu do ineditismo em 1984, em montagem protagonizada por Marco Nanini e Juliana Carneiro da Cunha, dirigidos por Freire-Filho, traz o acerto de contas de um casal no momento da separação. Só que, entre brigas, mágoas reveladas e desconfianças, entra o aprofundamento político inescapável de Vianinha.

Ele e Ela ou Lúcio e Sílvia, como são chamados os personagens, se ressentem por motivos que incluem decepções com escolhas feitas naquele momento – e, na época da escrita, era 1966, logo depois do golpe militar – que nublam questões fundamentais em um relacionamento, como a admiração mútua. O jornalista Lúcio alimentava o sonho de criar uma publicação independente com outro colega de redação do veículo em que trabalha. Só que a demissão deste o fez ser promovido e, diante de um cargo mais bem remunerado, não se falou mais no assunto.

O próximo volume da coleção da Temporal é Moço em Estado de Sítio, prometido para agosto. A peça mostra as dificuldades de um engajamento político e os dilemas éticos e materiais da esquerda logo depois de 1964, algo que também pode ser aplicável ao cotidiano brasileiro de 2021, prova de que, mais uma vez, o teatro é o retrato da história de um país e seu povo.

Dirceu Alves Jr.

Dirceu Alves Jr. nasceu em Porto Alegre em 1975 e vive em São Paulo desde 2002. Formado em jornalismo pela PUC-RS, trabalhou em Zero Hora como pesquisador, repórter e editor assistente do Segundo Caderno. Em São Paulo, foi editor assistente de IstoÉ Gente por cinco anos e repórter e crítico de teatro de Veja São Paulo por treze. É autor dos livros Elias Andreato, A Máscara do Improvável (2019) e Sérgio Mamberti, Senhor do Meu Tempo (2021).

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