Dólar
Euro
Angra dos Reis
Dólar
Euro
Angra dos Reis

Caçando Partículas em Angra dos Reis


Dois experimentos na área de Física de Partículas estão sendo conduzidos no complexo nuclear de Angra dos Reis, e prometem colocar o país na linha de frente do conhecimento sobre uma das partículas mais misteriosas do Universo: o neutrino. Com a participação de pesquisadores de várias instituições do Brasil e do mundo, os projetos Neutrinos Angra e CONNIE têm potencial para produzir descobertas e contribuições de grande relevância para esse campo do conhecimento.

Neutrinos estão entre as partículas mais elusivas e difíceis de serem detectadas na natureza. Para que tenhamos uma ideia, estima-se que uma trilhão de neutrinos oriundos do Sol atravessam nossa mão a cada segundo, passando através dela como fantasmas. Essas partículas foram previstas pelo físico Wolfgang Pauli em 1930 para explicar inconsistências observadas entre as medidas de energia do decaimento radioativo beta e as previsões da Mecânica Quântica. Pauli especulou que a energia do decaimento radioativo estava sendo compartilhada entre a partícula beta (um elétron) e uma outra partícula que não estava sendo detectada pois não tinha carga elétrica, ou seja, era eletricamente neutra, daí o nome dado pelo físico Enrico Fermi, “neutrino”, que é o diminuitivo de neutron em italiano (neutrons são partículas que já eram conhecidas na época, de carga elétrica nula, que entram na composição dos núcleos atômicos).

Apesar de não interagirem com a matéria através de campos eletromagnéticos, neutrinos podem interagir através da força nuclear fraca, a segunda mais fraca das quatro forças fundamentais da natureza – perde apenas para a gravidade, cuja manifestação só pode ser percebida quando grandes quantidades de matéria estão envolvidas – e apesar da sutileza dessas interações, os neutrinos puderam ser detectados pela primeira vez 1956 por Frederick Reines e Clyde Cowan, em um experimento realizado no reator nuclear do laboratório de Savannah River, nos EUA.

Desde de sua previsão teórica até os dias de hoje, muito já se descobriu a respeito dessas partículas, por outro lado ainda existe muito o que aprender sobre elas, e a cidade de Angra dos Reis, na Costa Verde do Rio de Janeiro, está escrevendo seu nome nessa história. Dois experimentos que buscam investigar interações entre átomos e neutrinos estão sendo conduzidos em um laboratório montado dentro de um container localizado ao lado do domo de contenção da Usina Nuclear de Angra 2, a cerca de trinta metros do núcleo do reator, o qual funciona como uma fonte de neutrinos de baixa energia. O laboratório começou sua operação em 2014, e é quase totalmente operado remotamente, via internet.

O projeto Neutrinos Angra – primeiro a ser idealizado no local – conta com a participação de pesquisadores do CBPF (Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas), da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), da UEL (Estadual de Londrina), UFBA (Universidade Federal da Bahia), da UFJF (Federal de Juiz de Fora) e da Unicamp (Estadual de Campinas), e busca meios de se monitorar a atividade de reatores nucleares através da detecção de neutrinos por um grande tanque com água. Como essas partículas interagem pouco com a matéria, elas passam por todas as barreiras de contenção que barram outras formas de radiação, e podem eventualmente interagir com um núcleo de hidrogênio (um próton) que compõe uma molécula de água. Essa interação gera um tênue sinal luminoso que pode ser detectado pelos instrumentos instalados no tanque.

E antes que alguém se preocupe com o fato de essas partículas conseguirem escapar das barreiras de contenção de uma usina nuclear, é bom que saibam que não há perigo algum para nossa saúde. É justamente por interagirem tão pouco com a matéria que os neutrinos são tão inofensivos quanto misteriosos.

O outro experimento que está sendo conduzido no local é o CONNIE (sigla em inglês para Experimento de Interação Coerente Neutrino-Núcleo), que visa revolucionar os métodos de detecção dessas partículas. Trata-se de uma colaboração internacional contando com mais de trinta pesquisadores de seis países – Argentina, Brasil, EUA, México, Paraguai e Suíça – que visa detectar interações entre neutrinos e núcleos de átomos de silício através de dispositivos chamados CCDs (sigla em inglês para Dispositivos de Carga Acoplada), o mesmo tipo de tecnologia usada em câmeras de smartphones, por exemplo, só que em um nível de sensibilidade consideravelmente superior.

No Brasil, o projeto conta com participações do CBPF, do CEFET/RJ (Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca) e da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Eu mesmo tenho a oportunidade de ser membro desta colaboração através do Campus Angra dos Reis do CEFET/RJ, auxiliando nos trabalhos envolvendo as instalações locais do experimento.

O potencial desta pesquisa vai muito além de apenas detectar neutrinos com CCDs. Por exemplo, um dos grandes mistérios da ciência moderna é a chamada matéria escura, um tipo de matéria que interage gravitacionalmente no ambiente interestelar, influenciando o movimento das galáxias, mas que não pode ser detectada por outros meios. Alguns modelos teóricos para explicar matéria escura também prevêem certas características a respeito da interação dos neutrinos com a matéria. O experimento CONNIE pode trazer alguma luz a respeito da validade – ou não – desses modelos.

Aqui nos deparamos com mais um exemplo de como a ciência é fascinante: ela nos permite conectar diferentes aspectos da realidade de forma muitas vezes surpreendentes. Afinal, quem poderia imaginar que de dentro de um pequeno laboratório montado em meio às belas paisagens da Costa Verde, poderíamos sondar alguns dos maiores mistérios do Universo?

Aldo Fernandes

Aldo Fernandes é doutor em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e atualmente é professor e pesquisador no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), Campus Angra dos Reis.

Comentários

Veja também