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Um meteoro caiu em Angra dos Reis!

Fonte: https://www.museunacional.ufrj.br/

Você já ouviu falar dos “angritos”?

Era uma manhã de verão do ano de 1869 – mais especificamente, o dia 20 de Janeiro daquele ano – quando o médico Joaquim Carlos Travassos fazia um passeio de barco pela Baía da Ilha Grande. Mal sabia ele que algo incomum estava prestes a acontecer. Por volta das 5h da manhã ele avistou um meteoro caindo no mar, próximo a onde se encontra a Igreja do Bonfim, no litoral de Angra dos Reis, RJ.

O local da queda tinha apenas dois metros de profundidade, e o médico mandou dois de seus escravos mergulharem para procurar pelo objeto. Dois fragmentos foram recuperados, um deles com cerca de 150 gramas, e o outro, maior, de peso desconhecido. O encaixe entre os dois sugeria a existência de outros pedaços, porém, até hoje, nada mais foi encontrado no local.

Os fragmentos poderiam ser até mesmo pedaços de um objeto ainda maior que se despedaçou bem antes de chegar à superfície, como é comum de acontecer com asteroides que mergulham na atmosfera da Terra, de forma que apenas uma pequena fração das partes desses corpos celestes chega a ser encontrada.

Dessas duas rochas recuperadas, a maior teria sido doada por Joaquim a seu sogro, permanecendo em posse da família. Contudo, até hoje o destino dela é desconhecido. Houve uma suspeita de que ela teria sido doada à Igreja Católica, já que o Vaticano possui, de fato, um meteorito referido como “Angra dos Reis”, porém, trata-se de um condrito, classe de rochas espaciais com características bem distintas daquelas recuperadas na Baía da Ilha Grande.

Já o menor dos fragmentos foi entregue ao Juiz de Direito de Angra dos Reis, Ermelino Leão, que então o doou para o Museu Nacional, onde ele pôde ser examinado por especialistas que revelaram informações importantes sobre suas origens. Não apenas isso, a história dessa rocha após sua chegada a nosso planeta é, ela mesma, repleta de acontecimentos marcantes, incluindo sua importante contribuição para a ciência, uma tentativa de furto e o incêndio no Museu Nacional.

O pequeno meteorito, batizado de “Angra dos Reis”, possui uma cor violeta escura, e um aspecto poroso e brilhante. Por mais de um século foi considerado um exemplar com características únicas, e mesmo hoje existem apenas 28 meteoritos em todo o mundo classificados como “angritos”, em referência ao Angra dos Reis, o primeiro deles a ser descoberto.

A rocha foi dividida em alguns pedaços para que eles pudessem ser analisados por diferentes pesquisadores – procedimento comum no estudo de meteoritos e outros tipos de rocha – sendo que a porção principal, pesando cerca de 70 gramas e com cerca de 4 centímetros de comprimento, permanece até hoje na coleção do Museu Nacional.

Trata-se de uma peça extremamente valiosa, ao ponto de despertar a cobiça de mercadores internacionais. Em 1997, Ronald Farrell e Frederick Marselli foram ao Museu Nacional interessados em fazer negócios com rochas. Na ocasião, o professor que os acompanhava não tinha muito conhecimento a respeito do acervo, e eles aproveitaram para trocar dois fragmentos do Angra dos Reis – entre eles, a porção principal – por dois outros meteoritos de menor valor.

Foi a Professora Maria Elizabeth Zucolotto, atual curadora do acervo de meteoritos do Museu Nacional, e ainda estudante de doutorado na época, quem percebeu a troca e acionou a Polícia Federal, que conseguiu impedir a partida dos dois homens quando eles já se encontravam no Aeroporto Internacional do Galeão, prestes a embarcar com as rochas levadas do museu.

Não seria a única vez na qual o meteorito quase se perdeu. Em 2 de Setembro de 2018, um incêndio de grandes proporções atingiu o Museu Nacional, destruindo grande parte de seu acervo. Não houve vítimas fatais, mas do ponto de vista científico e cultural foi um acontecimento trágico, com perdas de valor incalculável.

Pequeno e de coloração escura, o Angra dos Reis poderia facilmente se confundir entre os destroços e se perder para sempre. Felizmente, ele estava guardado em um armário de ferro, e foi localizado intacto pela Professora Zucolotto – a mesma que havia impedido seu roubo pouco mais de vintes anos antes – durante as obras de escoramento da estrutura remanescente do museu.

É a peça mais valiosa do acervo de meteoritos do Museu Nacional, e esse enorme valor se deve a tudo que ele tem a nos ensinar sobre o passado do nosso sistema solar. Tendo sido recuperado logo após a sua queda – o que é raro em se tratando de meteoritos – sofrendo muito pouco com a ação do ambiente terrestre e de contaminantes.

Os angritos são as rochas magmáticas mais antigas conhecidas, formadas nas altas temperaturas de núcleos de planetas. A idade estimada do Angra dos Reis é de cerca de 4,5 bilhões de anos. “Até então era o único da classe dos angritos, sendo a rocha mais antiga do sistema solar que esteve em um corpo planetário, ou seja, ele não é um condrito, que é primitivo”, explica a Professora Zucolotto, que gentilmente aceitou colaborar com esta coluna, respondendo minhas perguntas sobre o assunto.

A história do meteorito Angra dos Reis também nos traz uma importante lição a respeito de como a ciência é feita: trata-se de uma atividade humana, por um lado, sujeita aos nossos erros e nossas falhas, mas por outro, impulsionada pela nossa curiosidade aguçada e por nossa constante busca por conhecimento a respeito do universo em que vivemos.

Tudo que essa pequena pedra que veio do espaço nos ensinou poderia ter sido perdido – ela poderia nunca ter sido encontrada, ter ido parar em alguma coleção particular, ou descartada com destroços – mas graças aos esforços de muitos, indo desde os escravos que a resgataram do fundo do mar de Angra dos Reis em 1869, até os atuais pesquisadores e pesquisadoras que a estudam e zelam por ela, temos a oportunidade de conhecer um pouco mais a respeito do passado do nosso sistema solar.

Aldo Fernandes

Aldo Fernandes é doutor em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e atualmente é professor e pesquisador no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), Campus Angra dos Reis.

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