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Vamos falar sobre Extraterrestres?

O que está por trás do recente relatório sobre OVNIs divulgado pelo Pentágono, e qual a visão da ciência sobre vida alienígena?

Histórias sobre extraterrestres e discos voadores sempre mexeram com a nossa imaginação. Recentemente, a liberação de alguns vídeos do que seriam OVNIs registrados por fontes oficiais têm reacendido o interesse pelo tema. Mas, afinal, o que estaria por trás desses acontecimentos?

A divulgação de um relatório do Pentágono, sede do Departamento de Defesa dos EUA, a respeito da atividade de “UAPs” – sigla em inglês para “fenômenos aéreos não identificados” – na sexta-feira dia 25 de Junho de 2021, ajudou a chamar a atenção do público geral para a possibilidade de estarmos sendo visitados por seres alienígenas. O termo “UAP” pode ser considerado como um substituto para o termo “UFO” – objeto voador não identificado (OVNI, em português) – de forma a incluir todo tipo de fenômeno observado no céu para o qual não se tenha uma explicação conhecida, podendo ou não se referir a algum tipo de “objeto”.

O documento intitulado “Avaliação preliminar: Fenômenos Aéreos Não Identificados” possui nove páginas e foi preparado pelo Escritório da Diretoria Nacional de Inteligência dos EUA, tendo como objetivo apresentar uma análise preliminar de eventos envolvendo UAPs registrados no espaço aéreo dos EUA em um período de tempo compreendido entre os anos de 2004 e 2021. O arquivo PDF contendo o documento (em inglês) pode ser acessado e baixado livremente no site https://www.dni.gov/index.php/newsroom/reports-publications/reports-publications-2021/item/2223-preliminary-assessment-unidentified-aerial-phenomena.

Os autores, integrantes de uma força tarefa designada especialmente para tratar do assunto, classificam os UAPs em cinco tipos, quanto a sua possível explicação. O primeiro tipo são os “airborn clutters” (“confusões aerotransportada” em tradução livre), que incluem pássaros, balões, veículos aéreos recreativos não tripulados (drones) ou detritos aerotransportados como sacos plásticos que flutuam e são transportados pelas correntes de vento.

Os outros quatro tipos são fenômenos atmosféricos naturais (que incluem cristais de gelo, umidade e flutuações térmicas que podem ser registradas em alguns sistemas infravermelhos e de radar), programas secretos de desenvolvimento de tecnologia do governo ou da indústria dos EUA, sistemas adversários estrangeiros (que poderiam ser tecnologias implantadas pela China, Rússia ou outra nação, ou até mesmo por entidades não governamentais, como grupos terroristas) e uma última classificação referida apenas como “Outros”.

No que diz respeito a este último tipo, segundo os autores, a maioria do UAP reportados provavelmente não puderam ser identificados devido a dados limitados ou dificuldades de processamento ou análise, de forma que algum conhecimento científico adicional pode ser exigido para sua melhor caracterização. Tais UAPs permaneceriam nesta classificação, ficando a depender de avanços científicos que possibilitem uma melhor compreensão a respeito deles.

Para a decepção dos entusiastas das visitas de seres de outros planetas, em momento algum o relatório atribui uma origem extraterrestre para os UAPs. Os autores os consideram como fenômenos desconhecidos, para os quais não se tem uma explicação satisfatória, aproveitando a preocupação quanto à segurança nacional e ao efetivo controle do espaço aéreo daquele país para justificar a destinação de mais verbas para a força tarefa.

Mas o fato é que vivemos em uma cultura na qual luzes estranhas ou objetos desconhecidos avistados no céu são quase que automaticamente referidos como possíveis espaçonaves alienígenas – concepção amplamente reforçada por livros, filmes e outras produções culturais relativas ao tema – ainda que, a princípio, um objeto não identificado seja, por definição, algo “não identificado”.

Se pudéssemos, de algum modo, confirmar a origem interplanetária de algum ou alguns desses fenômenos, eles passariam a ser “identificados”, e termos como “OVNIs”, ou mesmo “FANIs” (a versão em língua portuguesa para UAPs: “Fenômenos Aéreos Não Identificados”), deixariam de fazer sentido, uma vez que saberíamos do que se trata: espaçonaves alienígenas!

A Vastidão do Universo

Desconsiderando narrativas conspiratórias de que governos estariam escondendo a “Verdade” da população em geral – sabe-se lá com que objetivo – o fato é que até hoje não temos nenhuma evidência concreta da visita de seres extraterrestres ao nosso planeta. Relatos de experiências pessoais alegando algum tipo de contato imediato com inteligências de outros mundos não servem como evidência – ao menos, não do ponto de vista da ciência – para isso seria necessário algo muito mais consistente e verificável.

Diante do ceticismo da maioria dos cientistas quanto aos visitantes alienígenas, muitos apontam a vastidão do universo como uma forte razão para acreditar – seríamos nós, juntamente com as demais formas de vida do nosso planeta, os únicos habitantes desse imenso universo? – questionamento esse que, de fato, faz todo o sentido, porém, algumas coisas devem ser levadas em consideração.

Antes de tudo, devemos reconhecer que o Universo é incrivelmente vasto, estima-se que nossa galáxia, a Via Láctea, tenha bem mais de 100 bilhões de estrelas (o um seguido por onze zeros), número tão grande que é praticamente inconcebível para nossas mentes. E não para por aí, a porção do universo que podemos observar tem pelo menos algumas centenas de bilhões de galáxias, sendo algumas menores e outras maiores que a nossa.

Enfim, por mais que as condições para a vida sejam improváveis, são muitos os lugares onde elas podem ocorrer (mesmo um evento muitíssimo improvável deve acontecer caso haja um número suficientemente grande de oportunidades e tentativas). Aqui precisamos definir o que é “vida”, pois, por incrível que pareça, não existe uma definição inequívoca para este conceito. Assim, vamos utilizar a definição adotada pela NASA – sugerida pelo saudoso astrônomo Carl Sagan – “um sistema químico autossustentável capaz de sofrer evolução darwiniana”.

E sabemos que existe ao menos um lugar onde a vida surgiu: nosso planeta, a Terra. A Geologia nos mostra que, tão logo as condições ficaram favoráveis, a vida surgiu, há pelo menos 3,5 bilhões de anos atrás (algumas hipóteses apontam para origens ainda mais antigas), sendo que a Terra deve ter se formado há cerca de 4,5 bilhões de anos atrás, logo, nosso planeta teve vida durante a maior parte de sua história. Apesar de a origem da vida ainda ser um mistério para nós, este é um indício razoável de que, dada as condições necessárias, a vida se torna algo bastante provável, talvez até inevitável.

Porém, no que diz respeito à vida “inteligente” – supondo que nós somos vida inteligente… – a situação já é bem diferente. Nossa espécie tem cerca de 300 mil anos de idade, a organização das sociedades humanas em civilizações, menos de 10mil, ou seja, uma fração ínfima do tempo de existência do nosso planeta (menos de 0,00001%). Logo, seres inteligentes devem ser raros… Ao contrário do que muitos possam pensar, a evolução darwiniana não favorece especificamente o surgimento da inteligência, trata-se apenas de mais uma estratégia de sobrevivência dentre muitas outras possíveis.

A Ciência e a Vida Fora da Terra

Naturalmente, esforços para se detectar vida fora da Terra – não necessariamente inteligente – são plenamente justificáveis. Por exemplo, o telescópio espacial James Webb, com data de lançamento prevista para 31 de Outubro de 2021, deverá nos dar alguma ideia sobre a composição da atmosfera de exoplanetas (planetas que orbitam outras estrelas que não o nosso Sol), dependendo dos resultados dessas observações, poderemos inferir sobre a possibilidade de vida nesses outros mundos.

Telescópio Espacial James Webb [NASA]

E mesmo em se tratando de vida inteligente, os esforços também podem ser justificados, pois, ainda que improvável, sabemos ser possível – já que nós, criaturas capazes de construir coisas como antenas e radiotransmissores, existimos – sendo uma possibilidade em nosso Universo, e, portanto, algo que vale a pena ser investigado. O famoso projeto SETI (sigla em inglês para “Busca por Inteligência Extraterrestre”), vasculha os céus em busca de sinais de rádio com características artificiais (sem uma possível explicação natural) oriundos de fora de nosso sistema solar, desde o ano de 1971. Contudo, até hoje, não houve “contato”.

Se um dia encontrarmos vida fora da Terra – e eu acredito que isso possivelmente irá acontecer em algum momento – imaginar a forma desses seres seria um interessante exercício de criatividade. A vida que conhecemos em nosso planeta natal é incrivelmente vasta: bactérias, cogumelos, vermes, árvores, peixes, pássaros… não parece haver limites para as formas que a natureza pode apresentar.

É certamente improvável que alienígenas inteligentes, por exemplo, tenham forma humanoide (dois braços, duas pernas, uma cabeça com dois olhos, uma boca, etc…). Ainda que existam muitos exemplos da chamada “convergência adaptativa”, quando diferentes linhagens evolutivas resultam em formas similares devido à adaptação a um mesmo habitat ou nicho ecológico – a exemplo das semelhanças anatômicas entre cetáceos e peixes, morcegos e pássaros, etc… – não há nada que indique haver uma “forma padrão” para a vida inteligente.

Mesmo aqui na Terra, outras formas de vida além dos primatas desenvolveram capacidades cognitivas avançadas, tais como golfinhos, corvos e até polvos. Se, em algum lugar do Universo, criaturas tão diferentes de nós conseguirem desenvolver inteligência e capacidades para manipular o ambiente ao seu redor, elas podem muito bem se organizar em algum tipo de civilização – construindo armas, instrumentos científicos, antenas de rádio, espaçonaves… – logo, é de se esperar que sejam bem diferentes de nós quanto à aparência. Porém, quem sabe, se na vastidão do universo, não teria surgido algo ao menos similar a nós?

E por falar em vastidão… aqui encontramos uma outra questão com a qual temos que lidar: as incríveis distâncias interestelares. A luz leva 8 minutos do Sol até a Terra, 5 horas até Plutão, nos confins do Sistema Solar, e são cerca 4 anos até a estrela mais próxima, Próxima Centauri. A Teoria da Relatividade de Einstein impõe limites quanto à velocidade com a qual um objeto pode se mover, ela é sempre menor que a velocidade da luz (poderia sempre se aproximar dela, mas jamais alcançá-la) e todas as evidências apontam para o fato de que esta é uma constatação verdadeira.

Proxima Centauri, a estrela mais próxima do Sol, está a 4,22 anos luz de distância.

O disco da Via Láctea tem cerca de 100 mil anos-luz de diâmetro, ou seja, a luz leva 100 mil anos para cruzar de uma ponta à outra da galáxia, e assim como uma espaçonave convencional levaria mais de quatro anos daqui até Próxima Centauri, teria que levar mais de 100 mil anos para cruzar a Via Láctea – isso sem falar nas distâncias intergalácticas! – logo viagens entre diferentes sistemas planetários não devem ser uma tarefa simples e corriqueira.

Estamos sendo visitados?

Mas sempre podemos especular. Deve existir vida em outros planetas – e eu, pessoalmente, acredito nisso – vida inteligente deve ser rara, porém, perfeitamente possível. Talvez eles até tenham forma humanoide, quem sabe? Se forem mais antigos e mais avançados que nós, podem ter descoberto algum meio de vencer as distâncias cósmicas – afinal, como seria a tecnologia moderna para um homem das cavernas, não é mesmo? – ou talvez eles tenham uma longevidade tão grande que encarar uma viagem de alguns milhares de anos não seja lá grande coisa.

Poderíamos então ser visitados, afinal? Não há razão alguma para considerarmos isso impossível, porém, algo ser possível não significa que vá acontecer. É possível que você ganhe na loteria, mas isso não significa que você vá ganhar, com certeza, caso faça uma aposta. E esse é justamente o cerne da questão.

Não devemos acusar todas as pessoas que relatam supostos contatos com seres extraterrestres de serem mentirosas – ainda que algumas estejam, de fato, mentindo, pois sabemos que existem muitas fraudes envolvendo o assunto – muitas podem estar, elas mesmas, enganadas ou confusas, fazendo uma má interpretação de algo que vivenciaram. Quem sabe algumas até tenham se deparado com algo realmente de outro mundo, por que não? Mais sem uma evidência que possa ser compartilhada e verificada, não podemos considerar um relato como uma “descoberta científica”. É sempre saudável ser cético.

O “ceticismo” não significa uma mera “descrença” como muitos entendem, essa postura se baseia na dúvida, e está no cerne do método científico, como uma ferramenta para se investigar a realidade. Podemos formular várias hipóteses para explicar um fenômeno não identificado, e eliminar várias delas na medida em que investigamos e obtemos novas informações. É razoável pensar que existam explicações naturais ou mundanas para esses acontecimentos, é só quando todas essas hipóteses forem descartadas que talvez possamos saber, com alto grau de certeza, que estamos diante de algo realmente fantástico!

Para mim, seria incrível um dia poder ter a confirmação da vida em outros mundos, mais ainda de vida inteligente, e mais ainda se estivessem aqui nos visitando (pacificamente, por favor). Esse é um tema que sempre me fascinou desde a infância, assim como a muitas outras pessoas. E é justamente para não nos deixarmos ludibriar pelo desejo de vivenciar essa grande descoberta que devemos sempre agir com cautela quando o assunto envolve extraterrestres.

Aldo Fernandes

Aldo Fernandes é doutor em Física pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e atualmente é professor e pesquisador no Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), Campus Angra dos Reis.

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